quarta-feira, 12 de dezembro de 2018




Mediando a palavra no mundo com o Outro

“[...] Para mim, seria impossível engajar-me num trabalho de memorização ,mecânica dos ba-be-bi-bo-bu, dos la-le-li-lo-lu. Daí que também não pudesse reduzir a alfabetização ao ensino puro da palavra, das sílabas ou das letras. Ensino no qual o alfabetizador fosse “enchendo” com suas palavras as cabeças supostamente “vazias” dos alfabetizandos. [...]” (Hara, 1992 apud Freire)


         Sem dúvida alguma, ao nos declinarmos sobre assunto tão instigante quanto crítico como é a alfabetização, é inescapável fundarmos nossas reflexões e ações sobre os pilares engendrados por aquelas e aqueles que assumiram que este é o ponto de partida para todas e todos que trilham a caminhada pela sociedade grafocêntrica, fundada sobre alicerces robustos, porém fragilizados pela ausência de muitos daqueles e daquelas que não estão inseridos naquela por não serem alfabetizados ou letrados.
De fato estamos sob uma “dicotomia gerada”, qual seja alfabetizado X letrado, pela ausência de debates robustos por aqueles e aquelas que atuam como profissionais da Educação, especificamente os docentes no que tange à aquisição da leitura e da escrita, quais as nuances encontradas nas diferentes realidades e as particularidades identificadas de acordo com as vivências de cada sujeito que chega ao sistema educacional.
Pode-se dizer que há dicotomia entre alfabetização e letramento quando não compreendemos que ao adquirir competência para utilizar como ferramenta de comunicação e interação, a leitura e a escrita nos mais variados ambientes e situações, o sujeito é capaz de decodificar, produzir e agir sobre/no ambiente e com seus pares, portanto “acrescentando a ela (realidade) algo que ele mesmo é fazedor.” (HARA, 1992 apud FREIRE)
Consoante Hara (1992) apud Freire

“[...] entende alfabetização como um ato de conhecimento, no qual “ aprender a ler e a escrever já não é, pois, memorizar sílabas, palavras ou frases, mas
refletir criticamente sobre o próprio processo  de ler e escrever  e sobre o profundo significado da linguagem.”

   De acordo Cury (2000, p.3) apud Soares (1998, p.19)

“[...] define que letramento é resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler ou escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita [...]”


De tal forma que, o sujeito é alfabetizado quando reflete sobre o que lê e escreve de maneira crítica, como também é letrado como quando se apropria da leitura como também da escrita, portanto letramento e alfabetização são complementares e não opostos, e somente serão se @s educador@s não forem mediador@s entre o conhecimento construído e as vivências que serão ferramentas na aquisição da linguagem, que é veículo do pensamento.
Em sala de aula é comum a presença de alun@s que não leem o que escrevem, o fazem de maneira mecânica. As solicitações para que leiam um enunciado vem acompanhada de “não entendi”, quando o que acontece é a incompreensão da escrita como um meio de comunicação.
Esta situação é rica para aquel@s que trabalham com os Anos Iniciais do Ensino Fundamental, pois é possível utilizar jogos, brincadeiras, diferentes gêneros textuais para tornar lúdicas as atividades e poder ir inferindo sobre os aspectos que contribuem para que as crianças não percebam que a escrita é a grafia do pensamento, uma das linguagens possíveis para que o Outro possa acessar o que pensam/elaboram.
Na Interdisciplina Didática, Planejamento e Avaliação fizemos uma viagem na história da Educação e no caminho encontramos Comênio[i], o pai da didática, definida como a Arte de ensinar. No compêndio Didática Magna, Comênio assevera que é possível ensinar e aprender sem enfado, com prazer e que “os fundamentos de todas as coisas que se aconselham são tirados da própria natureza das coisas”(COMÉNIO, 1995, p.525) E desta forma tenho planejado o cotidiano com a turma, avaliando e reescrevendo os projetos e planejamentos.
Utilizo as rimas, parlendas, lenga-lengas, cédulas, materiais concretos, saídas de campo e outros recursos para ir dialogando sobre as observações, aplicações possíveis com aquilo que manuseiam e solicito que anotem, escrevam um recado para os familiares, um bilhete para a Diretora, façam um final diferente, uma nova rima e assim os indivíduos vão grafando e refletindo, falando e criticando a sua produção e refazendo conforme encontram algo que não compreendem ou percebem que está incompleto.

      Enquanto indivíduo em uma sociedade grafocêntrica é imperativo que a palavra escrita e falada tenha significado e este é parte integrante da palavra, pertencendo ao domínio da linguagem e ao domínio do pensamento, pois uma palavra sem significado é um som vazio. (SILVA, 2010 apud VYGOTSKY, 2005)
  A Interdisciplina Educação de Jovens e Adultos no Brasil oportunizou que refletíssemos sobre as peculiaridades vivenciadas por aqueles sujeitos excluídos das diferentes formas de expressão, cidadania e mercado de trabalho por serem analfabetos ou iletrados e quais as possibilidades de reinserção daquelas ao protagonismo e autonomia.
 Fomos provocadas para a reflexão-ação pela Interdisciplina citada, a partir das leituras e da prática de observação em salas de aula da EJA e deste laboratório foi possível compreender o quanto a linguagem é ferramenta potente do pensamento.
Para compreender como o humano adquire a linguagem, esta que é instrumento do pensamento e equaliza homens e mulheres como seres grafocêntricos, aprofundamos os estudos realizados por teóricos como Skinner, Chomsky, Vygotsky e outros na Interdisciplina Linguagem e Educação e inspiradas naqueles elaboramos um planejamento de aula para ser aplicado em nossas turmas e este deveria ter como objetivo principal o desenvolvimento da linguagem.
As possibilidades que se apresentam ao elaborarmos um instrumento, no qual prevemos estratégias e avaliação são inúmeras, entre aquelas a pesquisa de  diferentes estratégias e  recursos.
A necessidade em inovar exige que tenhamos em vista o que queremos e enquanto educadora pretendo oferecer oportunidades para que os educandos possam agir sobre o ambiente e interajam com o/s Outro/os. Para tanto, inovar pedagogicamente requer uma ruptura necessária que permita reconfigurar o conhecimento para além das regularidades propostas pela modernidade (CUNHA, 2004)
Efetivamente a Interdisciplina Educação e Tecnologias da Comunicação e Informação propôs diferentes atividades nas quais tivemos de utilizar recursos em diferentes plataformas, pesquisas e avaliações e consequentemente fomos além das regularidades até então praticadas como docentes.
Ao inovarmos é inevitável a reflexão sobre modelos pedagógicos e modelos epistemológicos, que são diferentes modos de ensinar/aprender e a resultante destes é o imperativo para selecionarmos quais recursos e estratégias se adequam àqueles.
Sobre os modelos pedagógicos e epistemológicos fomos provocadas pela Interdisciplina Seminário Integrador à descrição de uma Cena na qual uma escola abarcava os diferentes modelos pedagógicos e epistemológicos, definidos por Fernando Becker (1995) como pedagogia diretiva, pedagogia não-diretiva e, talvez criando um novo termo, pedagogia relacional.
A atividade instigou à reflexão da minha prática docente, das condições nas quais fiz a formação como “Normalista[ii]”, que recursos, estratégias utilizo para sensibilizar @s educand@s,  no que tange à curiosidade, pesquisa, interesse e percebi que é comum planejar uma aula com referencial na Pedagogia Relacional, porém me deparo com encaminhamentos da Diretiva, pois assim fui formada para o oficio, e na condição de graduanda PEAD tenho sido motivada para continuar aprofundando as pesquisas, elaborações, a formação de rede entre os pares e destes arranjos ir desenvolvendo as competências para planejar e atuar dentro dos parâmetros da Pedagogia Relacional.



Referências:

BECKER, Fernando. Modelos pedagógicos e modelos epistemológicos. Educação e Realidade, Porto Alegre, p.89-96, 01 jun. 1994. Semestral. 19(1). Disponível em: <https://pt.scribd.com/document/260250772/BECKER-Fernando-Modelos-pedagogicos-e-modelos-epistemologicos-2-pdf>. Acesso em: 10 abr. 2018.

COMÉNIO, João Amós. Didácta Magna: tratado da arte de ensinar tudo a todos. 4. Ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996. 525 p. Disponível em: https://moodle.ufrgs.br/course/view.php?id=51541 Acesso em: 12/08/2018

CUNHA, M. I. Inovações pedagógicas e a reconfiguração de saberes no ensinar e no aprender na universidade. Anais ... VIII Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais. Coimbra, Portugal, 2004, p.1-16. Disponível em: <https://www.ces.uc.pt/lab2004/pdfs/MAriaIsabelCunha.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2018.

HARA, Regina. Alfabetização de Adultos: Ainda um Desafio. Cedi - Centro Ecumênico de Documentação e Informação, São Paulo, p.26-34, 1988. Disponível em: <http://www.bibliotecadigital.abong.org.br/bitstream/handle/11465/1685/19.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 01 out. 1988.

______Id. Ibid.


PARECER CNE/CEB 11/2000 HOMOLOGADO: Parecer Conselho Nacional de Educação. 11. ed. Brasília, BRASÍLIA: Mec, 19 maio 2000. Parecer. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pceb011_00.pdf>. Acesso em: 10 maio 2000.

SILVA, Samanta Demétrio da. Aquisição da Linguagem. Webartigos, Porto Alegre, p.01-12, 2010. Disponível em: <https://www.webartigos.com/artigos/aquisicao-da-linguagem/43208>. Acesso em: 22 jul. 2010.




[i] https://www.cartacapital.com.br/educacao/carta-fundamental-arquivo/o-pai-da-didatica
[ii] https://www.dicio.com.br/normalista/

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