Fios Sonoros
Desde
a gestação o ser humano está imerso em sons. A circulação do sangue, as batidas
do coração, a linfa em movimento constante dão o tom de um mundo ainda a ser
descoberto.
Logo
podemos inferir que somos tecidos por sonoridades herdadas e adquiridas pela
fruição enquanto nos desenvolvemos e entramos em contato com o meio. Musicalidade
é, portanto, o ritmo que melhor nos define, aquele que nos embala sem que percebamos,
aquele cantarolar que, sem fazer qualquer esforço, nos “puxa” pelos fios da
memória, como se estivéssemos sendo sugados por algo maior, intangível.
Os fios
me levam de volta ao seio familiar, de onde ouço minha mãe cantarolar suas
predileções enquanto zela pela família, pica alho, colhe flores, arruma a cama.
Tece amarras entre a imaginação e a realidade.
Por outro
lado, havia a vitrola possante e imponente manejada por tios adolescentes que
faziam tremer o assoalho com o iê-iê-iê e aqueles cediam a vez para meu pai
quando o assado ia para a grelha. Momento solene no qual eu escutava “de
cantinho” o Fado que tinha a função única e intransferível de “temperar” o
domingo, que nunca se repetia, apesar de sempre ser Amália a voz convidada.
Enfim,
ao relembrar como a música foi sendo gotejada em minhas entranhas compreendo
que aquela será sempre a companheira na qual posso depositar minhas dúvidas e
alegrias. Com ela posso fruir e descansar.