sábado, 2 de abril de 2016


                     
                                                 Formação em transformação


                                                                              A experiência é o que nos passa, o que nos acontece,                                                                               o que nos toca. (BONDÍA, 2002)

 Da Memória                                

Muitas vezes me flagro olhando experiências vividas com a visão embaçada outras vezes iluminada. As lentes me permitem olhares diversos sobre o passado e este emerge como parte do presente conferindo segurança à caminhada.
Recentemente o passado saltou na minha frente através da solicitação da escrita do trabalho de conclusão do primeiro semestre do curso de Pedagogia à Distancia. Eis que me vi mergulhada em um turbilhão de emoções, ideias, olhares diversos. A segurança que até então o passado conferia ao presente foi deixada de lado, pois ao revirar o baú da memória as lembranças saltaram desordenadas e para colocá-las nos devidos lugares foi necessário reencontrar a segurança.
A segurança era o olhar de minha mãe. O pai delegou a ela os cuidados com os filhos, portanto nela depositávamos nosso dia.
Iniciei minha vida escolar em uma escola confessional. Esta era enorme tendo corredores longos, quase infinitos para uma menina acostumada ao aconchego materno e as brincadeiras no pátio restrito pelos muros de pedra.
A experiência foi de uma vastidão tão profunda que a mãe resolveu transferir-me para o grupo escolar pertinho de casa onde muitas das minhas tias lecionavam. E neste pequeno colégio me senti segura. Nele reforcei a curiosidade que trago até hoje pela docência. Reforço à curiosidade despertada pela convivência com minha avó materna. Arabela chamava-se ela. Desde pequena agarrada à saia da avó, ouvia as histórias repletas de imagens da sala de aula no interior do Estado, após a viagem de trem até Santiago.  Das tias a lembrança terna das aulas encaminhadas com rigor e delicadeza, leituras e passeios por mapas que me levavam pelos rios e bacias hidrográficas do RS.
Mais tarde quando o assombro gerado pela vastidão do colégio das irmãs do Coração de Maria já havia sido apaziguado, voltei a ele e ali concluí o ensino médio com o diploma de professora das séries iniciais.
Durante todo o período escolar mantive o gosto pela leitura impresso em mim por todos meus familiares. Arabela,  a avó leitora voraz e grande debatedora de assuntos variados gravou em seus filhos, netos e noras o gosto pelo novo e este devidamente desvelado pela leitura. Lembro-me de muitas vezes estar sentada em seu colo e ela a esperar meu pai chegar com o jornal para que pudesse ler e fazer as palavras-cruzadas que a acompanharam até o fim de sua vida. Esta experiência despertou em mim o gosto pela palavra e a busca pelos seus significados, tanto que chegando à Escola Dom Feliciano, aquela dos vastos corredores, o espaço que me capturou foi a biblioteca e sempre que podia lá estava eu a pesquisar.


Formação em Transformação

Depois da diplomação iniciei minha trajetória como professora. Esta experiência inicial foi muito gratificante, pois pude encontrar na docência todas as mulheres que até então tinham contribuído com seus exemplos como profissionais permeadas pela vivência solidária. Incluo minha mãe neste rol de mulheres, porque também ela foi e continua sendo professora, mesmo não tendo sido formalmente. Mas sempre professando a vida.
Conforme Paulo Freire adverte

...mulheres e homens podem mudar o mundo para melhor, para fazê-lo menos injusto, mas a partir da realidade concreta a que “chegam” em sua geração. E não fundadas ou fundados em devaneios, falsos sonhos sem raízes, puras ilusões. (FREIRE, 2000, p.26)

A vivência neste contexto familiar e escolar impulsionou-me no sentido de querer inferir sobre a realidade encontrada na primeira escola que me acolheu. Escola pública de periferia que recebia crianças muito carentes economicamente e culturalmente. Desejo em imprimir naqueles pequenos olhos que me fitavam, um manancial do mundo que  poderia(pode) iluminar vidas. Esse era meu sonho que o cotidiano foi transformando em realidade fazendo com que todo dia fosse um novo dia, pois os dilemas da sala de aula me assaltavam e comecei a procurar auxílio de professoras mais antigas na escola e na secretaria de educação. Nesta procura encontrei muitas portas fechadas e as abertas na verdade estavam escancaradas. Os encontros generosos com a Coordenadora das Séries Iniciais da rede pública municipal me ensinaram  que podemos e como devemos fazer.


Ainda Freire
Há sempre uma relação entre medo e dificuldade, medo e difícil. Mas, nesta relação, obviamente, se acha também a figura do sujeito que tem medo do difícil ou da dificuldade. Sujeito que teme a tempestade, que teme a solidão ou que teme não poder contornar as dificuldades para finalmente entender o texto, ou produzir a inteligência do texto.  (FREIRE, 1997, p.27)



Durante o período em que lecionei lancei mão de um vasto repertório sob a orientação de minha Coordenadora e das leituras indicadas. A interação na prática diária foi sendo iluminada por estes componentes, que aliados à afetividade, foram moldando o ser docente.
Na obra Tardiff e Lessard afirmam que


Tais componentes requerem utilizar uma vasta gama de recursos, principalmente os mecanismos afetivos capazes de influenciar os alunos. Além disso, é evidente, também, que a personalidade do professor torna-se uma parte integrante da interação enquanto meio para atingir objetivos. (TARDIFF, LESSARD, 2005)

Embalando o Conhecimento

Mais tarde quando peguei em meus braços minha primeira filha de três rebentos gerados, declinei por um tempo de minha profissão e este período se prolongou por 21 anos. Enquanto mãe e dona-de-casa mantive o gosto e a prática da leitura. Li um pouco de filosofia, direito, muito sobre educação, culinária, política, romances, crônicas, poesia. A leitura foi minha companhia mais preciosa. Com ela viajava embalada pelo desejo de retornar à educação formal.

Continuar Transformando

Finalmente depois dessa parada necessária iniciei a graduação e novamente me encontro em meio a livros e ao alunado, pois um pouco antes de iniciar o primeiro semestre de Pedagogia reinicei minha carreira como professora da rede estadual. Desafios concomitantes que seguirão exigindo disciplina, dedicação e a busca incessante pela educação, como falou Moacir Gadotti (1982) sobre esta última em A Educação Contra a Educação,ela não é somente uma formação profissional, um meio de qualificação para o trabalho, uma cultura geral ou uma reciclagem. Ela engaja toda a vida, ela diz respeito essencialmente à totalidade do homem...”.
Hoje as leituras sugeridas pelos professores da graduação e exigidas pela prática docente são leituras por deleite, pois a docência é profissão e atividade cidadã. Ou seja, onde posso inferir socialmente com competências e habilidades forjadas para fins profissionais. As leituras indicadas durante o primeiro semestre proporcionaram a chance de empreender a caminhada como graduanda e docente de forma direcionada, organizada.
Ao participar dos fóruns, debates em aula, elaborar redações sobre temas explanados em aula pude adentrar o universo da pesquisa, primeiramente de maneira rudimentar, mas ao longo do processo ir aperfeiçoando meu olhar e meu posicionamento.
Minha inspiração “bebe” em muitas fontes, mas Paulo Freire é aquela que fala diretamente ao espírito que rege a investigação docente e cidadã que me exijo. De acordo com o pensador


É preciso contudo que esse amor seja, na verdade, um “amor armado”, um amor
brigão de quem se afirma no direito ou no dever de ter o direito de lutar, de denunciar,
de anunciar. É essa a forma de amar indispensável ao educador progressista e que
precisa de ser aprendida e vivida por nós. (FREIRE, 1997, p. 38)


 Sei que o tempo me dará o traquejo adequado. Neste semestre pude mergulhar em novos autores indicados pelos professores e aqueles serão os balizadores das próximas leituras. Por hora me permito ir conhecendo os caminhos com a tranquilidade apreendida com o tempo. A caminhada será longa até o término da graduação. Longo mas certamente instigante.
Para encerrar, cito Esther Pillar Grossi


A renovação é uma característica de nossa época. O progresso científico revoluciona nosso século e se não o acompanharmos seremos cedo marginalizados. (GROSSI, 2006, p.3)




Referências Bibliográficas:

BONDÍA, Jorge Larrosa, “NOTAS SOBRE A EXPERIÊNCIA E O SABER DE EXPERIÊNCIA”,
           www.scielo.br/pdf/rbedu/n19/n19a02.pdf, acesso: 30/06/2015

FREIRE, Paulo, “PROFESSORA SIM, TIA NÃO CARTAS A QUEM OUSA ENSINAR”,

______. “PEDAGOGIA DA INDIGNAÇÃO CARTAS PEDAGÓGICAS E OUTROS ESCRITOS”,

TARDIF, Maurice; LESSARD, Claude. O Trabalho Docente. Rio de Janeiro. Vozes. 2005.

GROSSI, Esther Pillar. Por Onde Começar a Ensinar Matemática? Porto Alegre. GEEMPA. 2006

GADOTTI, Moacir. A Educação Contra Educação. Rio de Janeiro. Paz e Terra. 1982


                                                                                                                                                                                                                

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