Formação em transformação
A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. (BONDÍA, 2002)
Da
Memória
Muitas
vezes me flagro olhando experiências vividas com a visão embaçada outras vezes iluminada.
As lentes me permitem olhares diversos sobre o passado e este emerge como parte
do presente conferindo segurança à caminhada.
Recentemente
o passado saltou na minha frente através da solicitação da escrita do trabalho
de conclusão do primeiro semestre do curso de Pedagogia à Distancia. Eis que me
vi mergulhada em um turbilhão de emoções, ideias, olhares diversos. A segurança
que até então o passado conferia ao presente foi deixada de lado, pois ao
revirar o baú da memória as lembranças saltaram desordenadas e para colocá-las nos
devidos lugares foi necessário reencontrar a segurança.
A
segurança era o olhar de minha mãe. O pai delegou a ela os cuidados com os
filhos, portanto nela depositávamos nosso dia.
Iniciei
minha vida escolar em uma escola confessional. Esta era enorme tendo corredores
longos, quase infinitos para uma menina acostumada ao aconchego materno e as
brincadeiras no pátio restrito pelos muros de pedra.
A
experiência foi de uma vastidão tão profunda que a mãe resolveu transferir-me
para o grupo escolar pertinho de casa onde muitas das minhas tias lecionavam. E
neste pequeno colégio me senti segura. Nele reforcei a curiosidade que trago
até hoje pela docência. Reforço à curiosidade despertada pela convivência com
minha avó materna. Arabela chamava-se ela. Desde pequena agarrada à saia da
avó, ouvia as histórias repletas de imagens da sala de aula no interior do
Estado, após a viagem de trem até Santiago.
Das tias a lembrança terna das aulas encaminhadas com rigor e delicadeza,
leituras e passeios por mapas que me levavam pelos rios e bacias hidrográficas
do RS.
Mais
tarde quando o assombro gerado pela vastidão do colégio das irmãs do Coração de
Maria já havia sido apaziguado, voltei a ele e ali concluí o ensino médio com o
diploma de professora das séries iniciais.
Durante
todo o período escolar mantive o gosto pela leitura impresso em mim por todos
meus familiares. Arabela, a avó leitora
voraz e grande debatedora de assuntos variados gravou em seus filhos, netos e
noras o gosto pelo novo e este devidamente desvelado pela leitura. Lembro-me de
muitas vezes estar sentada em seu colo e ela a esperar meu pai chegar com o
jornal para que pudesse ler e fazer as palavras-cruzadas que a acompanharam até
o fim de sua vida. Esta experiência despertou em mim o gosto pela palavra e a
busca pelos seus significados, tanto que chegando à Escola Dom Feliciano,
aquela dos vastos corredores, o espaço que me capturou foi a biblioteca e
sempre que podia lá estava eu a pesquisar.
Formação em Transformação
Depois
da diplomação iniciei minha trajetória como professora. Esta experiência
inicial foi muito gratificante, pois pude encontrar na docência todas as
mulheres que até então tinham contribuído com seus exemplos como profissionais
permeadas pela vivência solidária. Incluo minha mãe neste rol de mulheres,
porque também ela foi e continua sendo professora, mesmo não tendo sido
formalmente. Mas sempre professando a vida.
Conforme
Paulo Freire adverte
...mulheres e
homens podem mudar o mundo para melhor, para fazê-lo menos injusto, mas a
partir da realidade concreta a que “chegam” em sua geração. E não fundadas ou
fundados em devaneios, falsos sonhos sem raízes, puras ilusões. (FREIRE, 2000,
p.26)
A
vivência neste contexto familiar e escolar impulsionou-me no sentido de querer
inferir sobre a realidade encontrada na primeira escola que me acolheu. Escola
pública de periferia que recebia crianças muito carentes economicamente e
culturalmente. Desejo em imprimir naqueles pequenos olhos que me fitavam, um
manancial do mundo que poderia(pode)
iluminar vidas. Esse era meu sonho que o cotidiano foi transformando em
realidade fazendo com que todo dia fosse um novo dia, pois os dilemas da sala
de aula me assaltavam e comecei a procurar auxílio de professoras mais antigas
na escola e na secretaria de educação. Nesta procura encontrei muitas portas
fechadas e as abertas na verdade estavam escancaradas. Os encontros generosos
com a Coordenadora das Séries Iniciais da rede pública municipal me ensinaram que podemos e como devemos fazer.
Ainda
Freire
Há sempre uma relação entre medo
e dificuldade, medo e difícil. Mas, nesta relação, obviamente, se acha também a
figura do sujeito que tem medo do difícil ou da dificuldade. Sujeito que teme a
tempestade, que teme a solidão ou que teme não poder contornar as dificuldades
para finalmente entender o texto, ou produzir a inteligência do texto. (FREIRE, 1997, p.27)
Durante
o período em que lecionei lancei mão de um vasto repertório sob a orientação de
minha Coordenadora e das leituras indicadas. A interação na prática diária foi
sendo iluminada por estes componentes, que aliados à afetividade, foram
moldando o ser docente.
Na
obra Tardiff e Lessard afirmam que
Tais componentes requerem
utilizar uma vasta gama de recursos, principalmente os mecanismos afetivos
capazes de influenciar os alunos. Além disso, é evidente, também, que a
personalidade do professor torna-se uma parte integrante da interação enquanto
meio para atingir objetivos. (TARDIFF, LESSARD, 2005)
Embalando o Conhecimento
Mais
tarde quando peguei em meus braços minha primeira filha de três rebentos
gerados, declinei por um tempo de minha profissão e este período se prolongou
por 21 anos. Enquanto mãe e dona-de-casa mantive o gosto e a prática da
leitura. Li um pouco de filosofia, direito, muito sobre educação, culinária,
política, romances, crônicas, poesia. A leitura foi minha companhia mais
preciosa. Com ela viajava embalada pelo desejo de retornar à educação formal.
Continuar Transformando
Finalmente
depois dessa parada necessária iniciei a graduação e novamente me encontro em
meio a livros e ao alunado, pois um pouco antes de iniciar o primeiro semestre
de Pedagogia reinicei minha carreira como professora da rede estadual. Desafios
concomitantes que seguirão exigindo disciplina, dedicação e a busca incessante
pela educação, como falou Moacir Gadotti (1982) sobre esta última em A Educação
Contra a Educação, “ela não é somente uma formação
profissional, um meio de qualificação para o trabalho, uma cultura geral ou uma
reciclagem. Ela engaja toda a vida, ela diz respeito essencialmente à
totalidade do homem...”.
Hoje
as leituras sugeridas pelos professores da graduação e exigidas pela prática
docente são leituras por deleite, pois a docência é profissão e atividade
cidadã. Ou seja, onde posso inferir socialmente com competências e habilidades
forjadas para fins profissionais. As leituras indicadas durante o primeiro
semestre proporcionaram a chance de empreender a caminhada como graduanda e
docente de forma direcionada, organizada.
Ao
participar dos fóruns, debates em aula, elaborar redações sobre temas
explanados em aula pude adentrar o universo da pesquisa, primeiramente de
maneira rudimentar, mas ao longo do processo ir aperfeiçoando meu olhar e meu
posicionamento.
Minha
inspiração “bebe” em muitas fontes, mas Paulo Freire é aquela que fala
diretamente ao espírito que rege a investigação docente e cidadã que me exijo.
De acordo com o pensador
É preciso contudo que esse amor
seja, na verdade, um “amor armado”, um amor
brigão de quem se afirma no
direito ou no dever de ter o direito de lutar, de denunciar,
de anunciar. É essa a forma de
amar indispensável ao educador progressista e que
precisa de ser aprendida e vivida
por nós. (FREIRE, 1997, p. 38)
Sei que o tempo me dará o traquejo adequado. Neste
semestre pude mergulhar em novos autores indicados pelos professores e aqueles
serão os balizadores das próximas leituras. Por hora me permito ir conhecendo
os caminhos com a tranquilidade apreendida com o tempo. A caminhada será longa
até o término da graduação. Longo mas certamente instigante.
Para
encerrar, cito Esther Pillar Grossi
A renovação é uma característica
de nossa época. O progresso científico revoluciona nosso século e se não o
acompanharmos seremos cedo marginalizados. (GROSSI, 2006, p.3)
Referências Bibliográficas:
BONDÍA, Jorge Larrosa, “NOTAS SOBRE A EXPERIÊNCIA E O
SABER DE EXPERIÊNCIA”,
FREIRE, Paulo, “PROFESSORA SIM, TIA NÃO CARTAS A QUEM
OUSA ENSINAR”,
http://forumeja.org.br/files/Professorasimtianao.pdf, acesso: 29/06/2015
______. “PEDAGOGIA DA INDIGNAÇÃO
CARTAS PEDAGÓGICAS E OUTROS ESCRITOS”,
http://plataforma.redesan.ufrgs.br/biblioteca/pdf_bib.php?COD_ARQUIVO=17339, acesso: 29/06/2015
TARDIF, Maurice; LESSARD, Claude. O Trabalho Docente. Rio de Janeiro. Vozes.
2005.
GROSSI, Esther Pillar. Por Onde Começar a Ensinar Matemática? Porto
Alegre. GEEMPA. 2006
GADOTTI, Moacir. A Educação Contra Educação. Rio de Janeiro. Paz e Terra. 1982
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