Humanidade plena
A presença do povo surdo é tão antiga quanto à humanidade. Sempre
existiram surdos. O que acontece, porém, é que nos momentos históricos nem
sempre eles foram respeitados em suas diferenças ou mesmo reconhecidos como
seres humanos. (STROBEL, 2008b, p.42)
RESUMO:
A educação de pessoas portadoras de necessidades auditiva no Brasil remonta o
Século XVII, período denominado Segundo Reinado, chegando até a atualidade.
Repleta de dificuldades, desafios e vitórias, impulsiona debates, criação de
escolas, especializações, práticas pedagógicas e políticas públicas. Este
artigo foi desenvolvido com o objetivo de acompanhar a trajetória percorrida
pela educação de sujeitos surdos, percorrendo o período supracitado tendo como
ponto de partida os registros históricos que precederam o advento desta
modalidade educacional em nosso País.
Palavras-chave:
Educação. Sujeito Surdo. Brasil
Humanidade
plena
A
sociedade se constitui de homens e mulheres que ao longo do desenvolvimento orgânico,
histórico e intelectual precisam interagir com o meio e com seus pares. As
possibilidades oportunizadas a todos conferem o direito de serem plenos
independentemente de como cada indivíduo se constitui e de como se desenvolverá.
A exigência de humanidade plena tem
prerrogativas e estas passam pela inclusão de todos os sujeitos à sociedade.
Comunicação
apesar do silêncio
Sabemos
que na pré-história, devido ao estilo de vida nômade a sobrevivência de
crianças com necessidades especiais era praticamente impossível. O que nos
escapa são as possibilidades de sobrevivência dos sujeitos surdos, pois estes
apresentam características físicas comparáveis às pessoas ouvintes.
Conforme
STROBEL, Egito e Pérsia consideravam os sujeitos surdos privilegiados, enviados
pelos deuses por não falarem e viverem em silêncio. Por esta razão eram
respeitados e venerados, porém destituídos de instrução e afastados da vida
social. (STROBEL, 2009, P.18)
Entre
os gregos, os meninos da sociedade espartana eram treinados desde cedo para
servirem ao Exército na defesa da polis e aqueles que nasciam inadequados para
serem treinados eram mortos e há registro escrito dos filósofos Platão e
Aristóteles defendendo esta exclusão.
Sócrates
em um de seus discursos se refere à comunicação gestual dos sujeitos surdos:
Se
não tivéssemos voz nem língua e ainda assim quiséssemos expressar coisas uns
aos outros, não deveríamos como aqueles que ora são mudos, esforçar-nos para
transmitir o que desejássemos dizer com as mãos, a cabeça e outras partes do
corpo? (BARROS; HORA apud SACKS, 1998, p.29)
O
Imperador Rômulo, por volta de 753 a.C, determinava que todos recém-nascidos
incômodos deveriam ser mortos antes de completar três anos. Portanto, bebês
romanos surdos tinham seu destino decretado.
A Idade Média também denominada Idade
das Trevas compreendida entre o século V (476 d. C.) e o século XV (1453 d.C.),
foi o período no qual os sujeitos surdos eram considerados estranhos e não
recebiam tratamento digno. Eram proibidos de receberem a comunhão, proibidos de
receberem heranças, votar e desfrutar dos direitos de cidadãos.
A
partir do século XVI surgem relatos a respeito de pedagogos que começam a
trabalhar com os sujeitos surdos e obter resultados diversos, porém conforme Lacerda
(1998a)
Era frequente na época manter em
segredo o modo como se conduzia a educação dos surdos. Cada pedagogo trabalhava
autonomamente e não era comum a troca de experiências. Heinicke, importante
pedagogo alemão, professor de surdos, escreveu que seu método de educação não
era conhecido por ninguém, exceto por
seu filho.
Por
outro lado havia casos de professores que ensinavam os sujeitos surdos e não se
furtavam em tornar público os métodos empregados e os êxitos alcançados. O
religioso francês, Charles Michel de L´Epée no ano de 1760 se sensibilizou com a impossibilidade dos
sujeitos surdos aprenderem os fundamentos do catolicismo e isso o motivou a
aprender a língua de sinais francesa. O abade L’Epée foi defensor da língua de
sinais como a língua natural dos sujeitos surdos.
Conforme
Lacerda (1998b)
Para De L'Epée, a linguagem de
sinais é concebida como a língua natural dos surdos e como veículo adequado
para desenvolver o pensamento e sua comunicação. Para ele, o domínio de uma
língua, oral ou gestual, é concebido como um instrumento para o sucesso de seus
objetivos e não como um fim em si mesmo. Ele tinha clara a diferença entre
linguagem e fala e a necessidade de um desenvolvimento pleno de linguagem para
o desenvolvimento normal dos sujeitos.
Ainda
no século XVI há registros da pesquisa realizada pelo médico italiano Girolamo
Cardano (1501-1576) e segundo STROBEL (2009)
ele reconhecia a habilidade do surdo
para a razão, afirmava que “...a surdez e mudez não é o impedimento para
desenvolver a aprendizagem e o meio melhor dos surdos de aprender é através da
escrita...e que era um crime não instruir um surdo-mudo.” Ele utilizava a
língua de sinais e escrita com os surdos.
A
educação dos sujeitos surdos neste período histórico, desperta o interesse de
muitos pesquisadores e entre eles há divergências a respeito do método a ser
aplicado junto aos alunos. Essa dissensão ficou evidente entre o método oral,
defendido pelo alemão Heinicke e o português Pereira, e o método gestual
defendido pelo abade francês L’Epée.
Apesar
da crítica ao método gestual (sistema de sinais metódicos), segundo Merselian e
Vitaliano, 2009
Em 1775, L'Epée fundou a primeira
escola pública para o ensino da pessoa surda, em
Paris, onde professores e alunos
utilizavam-se dos sinais metódicos, sendo seus trabalhos
divulgados em reuniões periódicas
com objetivo de discutir os resultados obtidos.
Esta
iniciativa resultou na proliferação de professores interessados em ensinar
sujeitos surdos através do método gestual desenvolvido na escola pública
francesa fundada pelo abade. De aluno a professor formado oriundo deste
ambiente, Eduardo Huet veio para o Brasil pelas mãos do Imperador D. Pedro II
que teve intenção e realizou a fundação da primeira escola para surdos no Rio
de Janeiro – Brasil, o “Imperial Instituto dos Surdos-Mudos”.
De
acordo com Strobel, 2009
Foi fundada a primeira escola
para surdos no Rio de Janeiro – Brasil, o “Imperial Instituto dos
Surdos-Mudos”, hoje, “Instituto Nacional de Educação de Surdos”– INES, criada
pela Lei nº 939 (ou 839?) no dia 26 de setembro. Foi nesta escola que surgiu,
da mistura da língua de sinais francesa com os sistemas já usados pelos surdos
de várias regiões do Brasil, a LIBRAS (Língua
Brasileira de Sinais). Dezembro do mesmo ano, o Eduardo Huet apresentou ao grupo de pessoas na
presença do imperador D.Pedro II os resultados de seu trabalho causando boa
impressão.
Conforme Quadros, 2007 apud Barros e
Hora (2009)
Libras e outras línguas de sinais
são de modalidade visual-espacial, enquanto que as línguas orais, como o
português, são de modalidade oral-auditiva. Atribui-se status de língua às
línguas de sinais por elas serem formadas, como as línguas orais, pelos aspectos:
fonológico, morfológico, sintático e semântico, constituindo-se num sistema
complexo com todos os níveis de análise da linguística tradicional.
Portanto,
no Brasil o método que vigorou desde o início foi aquele que, na época de
L’Epée, fora contestado e apesar disso apresentou resultados positivos, os
quais podemos apreender a partir da citação de Strobel. Um belo resultado deste
empreendimento foi o lançamento, por um ex-aluno do Imperial Instituto, Flausino
José da Gama de 18 anos, do primeiro dicionário de língua de sinais no Brasil
em 1875.
Durante
um longo período, desde a fundação do Imperial Instituto, este forjado a partir
de um histórico de disputas entre os defensores dos métodos oral e de sinais (gestual),
muitos fatos ocorreram e estes deixaram impressos até os dias atuais marcas das
lutas e disputas. Algumas datas históricas que contribuíram, ora para o
fortalecimento,ora forjaram sérias disputas na construção de uma política de
educação inclusiva ajudam a entender o cenário pretérito, o presente e
vislumbrar o futuro. São elas:
1880
– Neste ano ocorreu o Congresso Internacional de Surdo-Mudez em Milão, na
Itália. Nele o método da língua de sinais foi proibido e o método oral seria o
único a ser ensinado nas escolas.
Para
Skliar, 1997 apud Merselian e Vitaliano, 2009
as conclusões do Congresso de
Milão dividiram a história da educação dos surdos em dois períodos: Um período
prévio, que vai desde meados do século XVIII até a primeira metade do século
XIX, quando eram comuns as experiências educativas por intermédio da Língua de
Sinais, e outro posterior, que vai de 1880, até nossos dias, de predomínio absoluto
de uma única 'equação', segundo a qual a educação dos surdos se reduz à língua
oral.
1957
- Por decreto imperial, Lei nº 3.198, de 6 de julho, o “Imperial Instituto dos
Surdos-Mudos” passou a chamar-se “Instituto Nacional de Educação dos Surdos” –
INES. Nesta época a Ana Rímola de Faria Daoria assumiu a direção do INES com a
assessoria da professora Alpia Couto , proibiram a língua de sinais
oficialmente nas salas de aula, mesmo com a proibição os alunos surdos
continuaram usar a língua de sinais nos corredores e nos pátios da escola.
(Strobel, 2009a)
1961 - O surdo brasileiro Jorge
Sérgio L. Guimarães publicou no Rio
de Janeiro o livro “Até onde vai o Surdo”, onde narra suas experiências de
pessoa surda em forma de crônicas. (Strobel, 2009b)
1966 – Fundada em Porto Alegre/RS a
Escola Especial Concórdia, dedicada ao ensino de crianças surdas pelo Reverendo
Dr. Martin Carlos Warth e Dª Naomi Hoerle Wart. (Colégio Ulbra Especial
Concórdia, 2015, acesso: 24/06/2015)[1]
1969 - O padre americano Eugênio
Oates publicou no Brasil “Linguagem das Mãos”, que contém 1258 sinais
fotografados. (Strobel, 2009c)
1970 - No Brasil é introduzida
a Comunicação Total que
desenvolve o ensino-aprendizagem através da linguagem sinalizada, fala, leitura labial, treino auditivo.
De
acordo com Lacerda
O
que a comunicação total favoreceu de maneira efetiva foi o contato com sinais,
que era proibido pelo oralismo, e esse contato propiciou que os surdos se
dispusessem à aprendizagem das línguas de sinais, externamente ao trabalho
escolar. Essas línguas são freqüentemente usadas entre os alunos, enquanto na
relação com o professor é usado um misto de língua oral com sinais. (Lacerda,
1998c)
1977
- Foi criada a FENEIDA (Federação Nacional de Educação e Integração dos
Deficientes Auditivos) composta apenas por pessoas ouvintes envolvidas com a
problemática da surdez.(Strobel, 2009d)
1987
- Fundada a FENEIS – Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos, no
Rio de Janeiro – Brasil, sendo que a mesma foi reestruturada da antiga
ex-FENEIDA. A FENEIS conquistou a sua sede própria no dia 8 de janeiro de 1993,
Rio de Janeiro - Brasil. (Strobel, 2009e)
1994-
Foi fundada a CBDS, Confederação Brasileira de desportos de Surdos, em São
Paulo- Brasil.(Strobel, 2009f)
2002-
Formação de agentes multiplicadores Libras em Contexto em MEC/Feneis. (Strobel,
2009g)
2006
- Iniciou Letras/libras com 9 polos. (Strobel, 2009)
As
demandas foram sendo atendidas na medida em que as pessoas envolvidas buscavam
respostas às necessidades.
A
Política Nacional de Educação Especial conforme Lodi, 2013
foi construída a partir de um
discurso que tem como objetivo valorizar os processos inclusivos dos alunos sob
sua responsabilidade "a partir da visão dos direitos humanos e do conceito
de cidadania fundamentado no reconhecimento das diferenças e na participação
[social] dos sujeitos" (BRASIL, 2008, p. 1 apud Lodi, 2013)
Sobre
a Política Nacional de
Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, continua Lodi, 2013
compreende
que cabem à educação especial os processos educacionais dos alunos surdos. Assim,
na apresentação dos marcos históricos dessa educação,
faz referência à Lei nº 10.436/02 e ao Decreto nº 5.626/05, destacando, desses
documentos, o reconhecimento legal da Libras; a inclusão, nos currículos dos
cursos de formação de professores e de fonoaudiologia,
de uma disciplina voltada ao ensino dessa língua; a formação e a certificação
dos profissionais envolvidos nos processos escolares de surdos (professores,
instrutores e tradutores/intérpretes); o ensino da língua portuguesa como
segunda língua; e a necessidade da organização
do sistema de forma a contemplar a educação bilíngue no ensino regular.
Outras
escutas
Findo
o projeto de pesquisa e escrita do tema proposto. Neste momento em que os
atores diretamente envolvidos na educação de sujeitos surdos no Brasil e outros
que gravitam no entorno aferido ferramentas que qualificam o cotidiano escolar e
social. Oferecer
possibilidades é dar voz aqueles que se apresentam sedentos desta cheios de
palavras e estas podem ser expressadas pelas mãos que escrevem, mas também
pelas que sinalizam.
Referências:
BARROS, Jozibel Pereira;
HORA,
Mariana Marques da, “PESSOAS SURDAS: DIREITOS, POLÍTICAS SOCIAIS E SERVIÇO
SOCIAL”,(Strobel, 2008b, p.42)
http://www.editora-arara-azul.com.br/cadernoacademico/012_anexos_pessoas_surdas_direitos_politicas_sociais_e_servico_social_barros_hora.pdf
acesso\ acesso: 21/06/2015
STROBEL, Karin, “HISTÓRIA
DA EDUCAÇÃO DE SURDOS”, (Strobel, 2009, p.18)
http://www.libras.ufsc.br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoEspecifica/historiaDaEducacaoDeSurdos/assets/258/TextoBase_HistoriaEducacaoSurdos.pdf
acesso:21/06/2015
BARROS, Jozibel
Pereira; HORA, Mariana Marques da, “PESSOAS SURDAS: DIREITOS, POLÍTICAS SOCIAIS
E SERVIÇO SOCIAL”, (BARROS; HORA apud SACKS, 1998, p.29)
http://www.editora-arara-azul.com.br/cadernoacademico/012_anexos_pessoas_surdas_direitos_politicas_sociais_e_servico_social_barros_hora.pdf
acesso: 21/06/2015
LACERDA,
Cristina
B.F. de,” UM
POUCO DA HISTÓRIA DAS DIFERENTES ABORDAGEMS NA EDUCAÇÃO DOS SURDOS”, (Lacerda,
1998a; 1998b)
STROBEL, Karin, “HISTÓRIA
DA EDUCAÇÃO DE SURDOS”,
http://www.libras.ufsc.br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoEspecifica/historiaDaEducacaoDeSurdos/assets/258/TextoBase_HistoriaEducacaoSurdos.pdf
acesso: 23/06/2015
MESERLIAN, Kátia
Tavares, VITALIANO, Célia Regina, “ANÁLISE SOBRE A TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA
EDUCAÇÃO DOS SURDOS”,
http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2009/anais/pdf/3114_1617.pdf
acesso: 24/06/2015
STROBEL, Karin,
“HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DE SURDOS”,
http://www.libras.ufsc.br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoEspecifica/historiaDaEducacaoDeSurdos/assets/258/TextoBase_HistoriaEducacaoSurdos.pdf
acesso: 24/06/2015
BARROS, Jozibel
Pereira; HORA, Mariana Marques da, “PESSOAS SURDAS: DIREITOS, POLÍTICAS SOCIAIS
E SERVIÇO SOCIAL”,
http://www.editora-arara-azul.com.br/cadernoacademico/012_anexos_pessoas_surdas_direitos_politicas_sociais_e_servico_social_barros_hora.pdf
acesso: 24/06/2015
MESERLIAN, Kátia
Tavares, VITALIANO, Célia Regina, “ANÁLISE SOBRE A TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA
EDUCAÇÃO DOS SURDOS”, (Skliar, 1997 apud Merselian e Vitaliano, 2009),
LODI, Ana Claudia
Balieiro, ‘EDUCAÇÃO BILÍNGUE PARA SURDOS E INCLUSÃO SEGUNDO A POLÍTICA NACIONAL
DE EDUCAÇÃO ESPECIAL”,
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